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Alma Inquieta

Atualizado: 16 de jun.


“Para quem nunca se encaixou… e agora entende por quê.”



Lembro que, quando criança, em viagens com meu pai, costumava acompanhá-lo em suas noites em claro — sempre correndo contra o tempo para chegar em casa ou ao destino final. A noite sempre me interessou mais. Curiosa, fazia mil perguntas com meus seis anos de idade. Passávamos pelas poucas placas de trânsito daquela estrada longa, iluminada somente pela lua cheia, nas planícies do Mato Grosso, e eu queria saber o significado de cada uma, e o porquê de estarem ali.


Fui a criança do "mais por quê?". Questionadora, criativa, cheia de imaginação. Imagina levar tudo isso para a vida adulta? Pois bem... Sem saber o que fazer ao sair do colegial, mas com vontades imensas dentro de mim, pensei em várias possibilidades:

Veterinária? Porque amo os animais.

Jornalista? Porque adoro o cheiro da tinta fresca no papel.

Professora? Nem sei o porquê, mas vivia brincando de escolinha com meus amigos — reais e imaginários.


O sentimento era de estar perdida, e a pressão social era forte.

— "Faça Administração", disse minha mãe — pensando que essa graduação abriria qualquer porta.

— "O quê? Números? Não!" — pensei. Reprovei em matemática na escola e agora queriam que eu estudasse números? Não fazia sentido algum!


Indignada, comecei a refletir sobre o que eu gostaria de fazer. As ideias eram tantas que me perdia nelas. Elemento ar em excesso, sempre.

— "Faça Moda, siga o caminho da sua mãe."

Do contra que eu era, obviamente fui para outro lado.

— "Vou fazer Radiologia."

E fiz. Foi minha primeira formação.


Sim, lidei com números — e modéstia à parte, me saí muito bem. Meu professor de Física era incrível, meio doidinho, o que facilitava o aprendizado. E tinha a Anatomia! Que delícia era estudar o corpo humano em sua máxima perfeição. Gostei tanto que meu TCC foi em Radiologia Forense. Eu e uma amiga da época fizemos um breve estágio no IML da capital do nosso estado. Assustador, mas excitante ao mesmo tempo. Esse lado sempre me interessou, embora uma parte de mim sentisse certo medo. Ainda assim, foi uma das melhores partes do curso.


Fiz estágio em pronto-socorro, depois no hospital da minha cidade natal. Mas logo o ambiente hospitalar começou a se tornar um pesadelo para mim. Sensitiva, passei a ter pesadelos todas as noites, arrepios, sensações fora da fisicalidade — experiências que, na época, me assustaram o suficiente para eu largar tudo. Bons tempos... intensos tempos.


Sem rumo, deixei completamente a área. Nunca me vi trabalhando apenas numa clínica — me parecia tedioso demais. Eu precisava de ação, movimento, adrenalina. Trabalhei então em farmácias e depois fui parar num laboratório de manipulação de medicamentos e cosméticos.

— "Me encontrei!", pensei.

Durou um ano, talvez. A carga de trabalho era intensa. O ambiente fechado me sufocava. Não via a luz do sol. Pegava dois ônibus para voltar pra casa. Só queria dormir... e no outro dia tudo de novo. Tedioso. Foi nessa época que meu quadro de depressão se agravou. Comecei com medicamentos controlados.


Fiz de tudo um pouco. Trabalhei com salões de beleza — cuidava da administração de cinco unidades e passava os dias perambulando entre uma e outra. Era movimentado, mas eu não estava bem. Foi um período desafiador. Até que ganhei a conta. De volta pra casa, mergulhei num tempo de recolhimento. Um período off, para me recuperar.


Foi então que pensei:

— "Moda, então. Parece o caminho mais fácil."

Fui criada em uma loja. Era um lugar familiar, não tão novo assim. Comecei os estudos e me reencontrei. Conheci pessoas incríveis, pelas quais tenho carinho até hoje. Ainda não estava totalmente bem, mas consegui conciliar os estudos, a loja e o trabalho como consultora de estilo. Depois, outros caminhos se abriram.


A moda era fascinante por isso — um leque de possibilidades. Não me sentia presa. Fazia de tudo um pouco e gostava de tudo. Mais uma vez: movimento. Mas, para minha surpresa, ao final do curso, quando chegou o dia da apresentação do TCC — um desfile apresentando nossa coleção — entrei em crise. Tinha quase tudo pronto, mas não consegui finalizar. Caí de cama. Então, podemos dizer que não concluí a formação... por quase nada. (Respiro). Tudo bem.


Depois de me recuperar, continuei atuando na área da moda. Mas algo começou a perder o sentido. Faltava algo. Nesse processo, também trabalhei como maquiadora, assistente de cabeleireira, ofereci serviços para outras lojas e escrevi para um blog de moda de uma marca de jeans da região. Parece legal, né? E era. Mas, por dentro, me sentia vazia.


Já estava em busca do caminho espiritual, estudando sobre energia. Resolvi fazer um curso de Reiki, inicialmente para autoconhecimento. E para minha surpresa, pessoas que me seguiam nas redes começaram a pedir atendimentos.

— "Eu? Louca e desequilibrada do jeito que sou, atender alguém? Melhor não..."

Mas não adiantou mais negar. As coisas foram fluindo. Minha baixa autoestima sabotadora foi dando lugar a uma versão com fé, que se permitia ser canal.


Tinha acabado de sair de um centro espírita e encontrei um terreiro de umbanda que me acolheu e me ensinou tanto, em tantos níveis. Trabalhei na casa por um longo período. Me dediquei totalmente. Enquanto isso, questionava minha profissão. Cheguei numa encruzilhada. Decidi:

— "Vou seguir o caminho das terapias."

Deixei a moda para trás — com carinho, amor e gratidão.


Mergulhei no mundo das curas. Energia, espiritualidade, xamanismo, reiki, apometria, constelação sistêmica, meditação, física quântica, mediunidade, telepatia, mestres ascensionados, cosmos, astrologia, numerologia, multidimensionalidade... Uau. Que mundo fantástico. Parece mágico. E é!


— "Me encontrei", pensei.

Resolvi me aprofundar mais. A mente humana sempre me fascinou — talvez por minha própria história. Sempre fui atraída por temas ligados à psique, aos desequilíbrios emocionais. Mergulhei então na psicanálise, inteligência emocional, estudo de crenças, filosofia... um mundo que não tem fim e quanto mais você estuda, mais você questiona. Essa é a beleza da vida. E nessa ânsia pelo novo, pelo desconhecido, dei um salto no mundo dos cafés, buscando por algo que me tirasse um pouco desse lugar tão mental.


Sim, barista! O que, curiosamente, me remete aos conhecimentos com números e laboratório. Afinal, preparar um bom café exige medidas, cálculos, balança, técnica. Precisa de atenção, de precisão e de presença, o que me convida à meditação — atenção plena.


A arte de experimentar o café me remete à poesia — é um ritual. Sentir as notas, o perfume do aroma, o calor entre as mãos... tudo convida ao silêncio. É mental, emocional e espiritual. Um instante de pausa que toca a alma. E, no meio de tudo isso... me encontrei, novamente.


Mas a verdade é que sempre busquei me encontrar nos meus trabalhos, nas minhas formações, em uma profissão. E não é bem assim. Eu não sou o que faço. Eu apenas sou. Sou essa de múltiplos interesses. E à medida que me aprofundo em tudo o que me desperta curiosidade, vou moldando quem sou. Isso tudo faz parte de mim, mas não é o todo de mim. Dá pra compreender?


Existe uma frase muito conhecida que diz:


“Nunca poderei ler todos os livros que quero, nunca poderei ser todas as pessoas que quero e viver todas as vidas que quero. Quero viver e sentir todas as nuances, os tons e as variações das experiências físicas e mentais possíveis de minha existência. E sou terrivelmente limitada...”

— Sylvia Plath


Essa frase me fez refletir, mais uma vez, sobre quem eu sou.


E o que antes parecia um peso — não encontrar “um lugar no mundo”, não me fixar em uma única profissão — hoje é libertador.

Porque sim, eu quero viver todas as minhas versões. Quero ser tudo o que posso ser, e ser todas as que posso ser. Quero experimentar, aprender, me testar.


Talvez muitos dos nossos vazios existenciais nasçam do empobrecimento interior. E talvez, quanto mais interesses cultivamos, mais nutrida é a nossa personalidade.


Afinal...

É preciso experimentar para saber quem se é.


E se a sua inquietação for, na verdade, sua maior sabedoria em movimento?

E se o que você chama de "instabilidade"... for, na verdade, liberdade?


Ser muitas, às vezes, é a forma mais verdadeira de ser inteira.

A alma inquieta não é perdida, é só intensa demais para caber no óbvio.

Entre os caminhos que não deram certo, descobri que o certo era me permitir tentar todos.


Das mil versões de mim, sigo sendo inteira.


Com amor e afeto,

Cheila

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